sábado, 23 de fevereiro de 2013

Carta aberta ao verme que primeiro roeu as frias carnes de meu cadáver


"Don't hate me for your trouble, don't blame me for your trouble".

Sente-se que agora é a hora de ajustarmos o placar.

Se ainda existia qualquer sentimento (além de inércia), tudo foi macerado e virou nojo. Eu sinto nojo por ter compartilhado coisas com você, eu sinto nojo por ter sido sua amiga. Nojo por ter te escutado e por ter me convencido de que o que você falava continha alguma verdade.

Eu deveria ter escutado meus amigos. Deveria ter escutado quando o M. falou que, se eu estava precisando me esforçar muito para gostar de você, deveria ter te largado. Eu nunca me apaixonei por você, vejo agora. Me apaixonei pela malha de adversidades e problemas que você carrega. Eu, a final, queria apenas te ajudar. A superar o trauma pela morte do seu pai, o ódio que você carrega pela sua mãe e o desprezo que você tem pela sua família e pelas pessoas que tentam se tornar suas amigas. Você não é melhor que eles. Você não é tudo isso que acha que é.

Eu não sou culpada por, finalmente, ter decidido que merecia viver minha vida. Não sou culpada por ter decidido que também tenho o direito de ser feliz. Foram dias de choro e pressão, onde me dediquei exclusivamente ao trato da sua saúde. Eu larguei tudo por você e pelo que eu achava certo. Eu me humilhei por você, eu cuidei de você, passei mais tempo no hospital que em qualquer outro lugar por você. Eu corri atrás de remédio, corri atrás de quimioterapia. Quando você operou o cérebro, fui eu quem passou a noite cuidando de você, te dando remédio e monitorando seus batimentos cardíacos. Quando você teve suspeita de H1N1, fui eu quem passei a noite em um banquinho de enfermaria, passando frio e fome, com uma máscara mal posicionada, cuidando de você para que você não ficasse sozinho. Não foi sua mãe. Não foi sua irmã. Fui eu, aliás, quem te levou ao médico pela primeira vez. Você teve o diagnóstico graças a mim e a atenção que eu dispendi para você. Fui eu quem se abaixou para limpar sua bunda suja de cocô. Eu troquei as suas fraldas, eu fiquei monitorando a sua sonda. Em nossa relação, você esteve mais tempo doente do que saudável, e isso não é sua culpa. Mas não venha usar isso como desculpa para despejar toda a sua loucura em mim. Eu me mantive do seu lado até mesmo depois de ter descoberto que você me traiu.

E você me traiu sim. Traiu a minha confiança, me apunhalou por trás. Isso não se justifica, se admite. Reconheça que você falhou. Reconheça que você fez merda. Reconheço que, só por esse motivo, eu já mereceria ter me afastado e ido viver a minha vida em paz. Você fez suas escolhas e eu mereço fazer as minhas.

Não senhor, eu não vou ser a culpada dessa vez. É sua hora.

Encare os fatos. Eu me dediquei exclusivamente a você durante todo esse tempo. Eu estava do seu lado quando você precisou. Mas eu sou uma pessoa diferente de você, um indivíduo, um ser humano a parte, e não tenho culpa por meus sentimentos terem mudado a ponto de se resumirem a nada. Nosso relacionamento chegou em meia-vida, estava em decaimento exponencial. Eu prometi a mim mesma que seria honesta e que não ficaria com você por pena. Eu já não sentia nada faziam meses. Semestres. Mas me mantive ao seu lado para cuidar de você e ajudar você a se curar. Eu me sacrifiquei em prol disso. E agora é minha vez de ser feliz.

Não aceito toda essa culpa que você quer jogar em mim. Não vou lidar com esse peso. Pode ficar aí, longe de mim. O seu mundo será maior e o meu melhor.

Eu sei que sou uma boa pessoa. Me mantive honesta comigo mesmo e só fiz o que achava certo, e não me arrependo. Não me arrependo de todos os amigos que fiz e de todos os que eu perdi nesse processo. De você, só peço maturidade. Você tem vinte e cinco anos (por mais que sua mãe o trate como um bebê). Por favor, pare de agir como uma criança mimada. Eu não pertenço à você. Eu só pertenço a mim mesma. Eu vou viver todas as coisas que eu quiser, independentemente das suas tentativas de estragar tudo. Eu vou assoviar, fechar meus olhos, arrumar meus óculos e seguir em frente. Você já me tomou alguns anos, me recuso a te dar mais qualquer outro segundo. Você era alguém que eu costumava conhecer. Agora você é um estranho que compartilha de memórias em comum comigo. Memórias que vem se esvaindo de minha parte, por sinal. Estou feliz agora e tudo o que vivemos parece ser só um borrão desinteressante e monótono.

Me deixe em paz. Me deixe viver a minha vida. Eu, minha família, meu namorado e todas as outras pessoas do mundo merecemos ser felizes e não contar com a sua interferência. Você já não consegue me machucar. Você não significa nada para mim. Eu não te culpo por você ser quem você é, mas você não pode me culpar por odiar isso.

Acho que você deve ter me escutado cantarolar Garotas Suecas o bastante para saber que código de conduta deve seguir. Caso você não lembre, escute essa música. Ela é boa. "Quando um dia qualquer por azar/ você vira uma esquina e me encontra por aí/ não vale a pena fazer uma cena (...) e se um dia eu também te encontrar/ vou mudar de calçada, vou sorrir e disfarçar/ e você também irá".

Espero que você tenha notado que eu não tenho mais assunto nenhum em comum com você. Eu não quero mais conversar sobre isso, eu não sou sua amiga. Eu nunca vou voltar com você, eu nunca vou me arrepender do que fiz e, a partir de agora, nunca mais me sentirei culpada. Independentemente do que a Heloisa vier me dizer, independentemente de todas as mensagens que vocês tem mandado para mim e para meu namorado. A gente vai ficar bem, não se preocupem. Eu prometi à ele (e para mim mesma) que não me estressaria mais com isso e que não falaria mais com vocês. Por mais que eu me sinta culpada por fazer com que o cara mais fascinante do mundo tenha que lidar com essas coisas, eu confio nele e sei que ele está fazendo isso pelo meu bem. Porque nesses poucos meses de namoro que tenho com ele tive mais carinho e respeito que em todos os nossos anos juntos.

Eu não sou mais aquela guria de quinze anos, desorientada e triste que você conheceu. Agora eu sei o que eu quero e você não está incluso na lista. O que você faz não me diz respeito mais, mas não me desrespeite. Porque, caso você o faça, te olharei por cima das lentes dos meus óculos e sorrirei despejando um pouco de ironia. No fundo eu sei que sou melhor do que isso tudo. Eu não preciso de você, agora eu tenho a mim.

Eu não tenho medo de encarar você. Saiba que eu notei que não há muito mais em você do que enganos e mentiras.

A gente não é uma música do Cat Stevens, mas, se quer fazer drama, ao menos me deixe viver nesse "wild world" sozinha.

É válido ressaltar, mais uma vez, que você não me afeta em nada? Keep fishin'.

Passe bem. Seja feliz.
Até nunca mais.