quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

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E quando eu paro e penso no formato que meu coração deve ter, cheio de cicatrizes e veias, que o cortam e o recortam e o separam em vetrículos e átrios, fico satisfeita por ter um coração que funciona no final. Porque quando eu olho para o céu -- ou para as flores, ou para os cachorrinhos, ou para qualquer coisa boba que o valha -- eu dou graças por esse órgão visceral e oco poder se encher de cor e respirar.

Mesmo que isso me faça carregar o peso e a parte tão cruel que a vida insiste em me mostrar, mesmo com todas as pedras e tropeções, se existe algum amor em mim, que se mostre. E que cresça.

E quando chegava o outono eu costumava esquecer de como as árvores podiam ficar floridas, e quando chegava o inverno e o peso do céu azul tornava os dias insuportáveis de serem vividos. E eu via os galhos secos e contorcidos e perguntava se, naquela árvore seca, que assemelhava-se tanto à mim, poderia crescer algo.

Houveram dias onde aquela música assoviada não significava nada, em que enxia-me de cachecóis e disfarces para que ninguém notasse. Porque eu gostava de acreditar que, depois de tanto ter chorado, havia desenvolvido uma espécie de resistência contra qualquer coisa sentível.

E os dias passaram-se cheios de névoa, de pressa e de pressão. A fumacinha de frio que costumava sair enquanto falava foi diminuindo e as geadas se tornaram escassas. As minhas palavras já não cortavam o ar. E eu parei de sentir como se tivesse que ser Tender Branson.

E quando nossos batimentos cardíacos se resumirem a duas linhas retas? E quanto o ruído dos nossos sapatos bater ao mesmo tempo?

E se eu afastar meus casacos e me desarmar, enfim?

Então chegou a primavera e eu notei que, além do sol, as flores também precisam de chuva para florescerem.

E, se existe algum amor em mim, que ele cresça. Que ele floresça.